O Brasil do Brasileiro Contra As Armas do Estrangeiro
- Jaime Fusco e Angelo Fusco
- 30 de jul.
- 6 min de leitura

Em novembro de 2024, escrevi um artigo explanando a oportunidade que o Governador do Rio de Janeiro poderia ter de capitanear um esforço conjunto com os órgãos federais para que se montasse uma ofensiva contra o contrabando ilegal de armas que tanto traz violência ao nosso estado do Rio. Isto porque, de forma sintética, conforme dito, armas não se plantam nas favelas ou em territórios deflagrados pelas organizações criminosas que nos aterrorizam. Pelo contrário, são oriundas de fábricas de uma indústria que, somente no ano de 2024, recebeu o montante de 997 bilhões de dólares do governo americano, o equivalente a 37% de todos os gastos do tipo do mundo1. No ano anterior ao do artigo, havia tido uma alta histórica de mais de 1 trilhão, com t de tramoia, de dólares.
Hoje, diante das movimentações de ataque à soberania nacional que estamos sofrendo pelo governo estadunidense, e da procura, por parte do governo federal, de políticas de resposta à ofensiva, vejo uma nova oportunidade que há tempos não se via. De um ataque frontal à maior indústria, em termos de financiamento público e estratégia – rivalizando, talvez, somente com as bigtechs – de quem nos ataca: a indústria bélica.
Ululante dizer que a indústria militar dos EUA é a maior financiadora e, consequentemente, beneficiada das inúmeras guerras civis que permeiam o globo, entre elas, a incessante guerra às drogas que vivemos no território nacional – a qual o estado do Rio de Janeiro sofre especial impacto. Dia 17 deste mês, fomos “surpreendidos” pela primeira apreensão de armamento que, teoricamente, teria sido enviado pelos EUA para a guerra da Ucrânia. Um equipamento para interceptação de drones – “novidade” que há pouco chegou para fazer coro no arsenal das organizações que nos segregam em nosso próprio território, junto com as armas de calibre restrito, que nem nossas forças armadas possuem acesso.
A oportunidade histórica que estamos passando nos possibilita a formulação de uma verdadeira reforma no tocante à segurança nacional. Para tanto, creio que seja necessário atacar certos pontos que, a meu ver, são fundamentais para a efetividade das medidas, visando, assim, o bem e a soberania da nossa nação. Sendo elas:
Taxação de 100% na importação de armas norte-americanas que entrem legalmente no nosso território, enquanto não sejam tomadas medidas concretas, por parte das gigantes bélicas norte-americanas junto ao governo brasileiro, no combate ao tráfico internacional de armas. Embora não atinja, diretamente, nem o faturamento bélico, nem o problema de segurança pública – afinal, o montante de armas que entram legalmente no Brasil e são desvirtuadas para o crime organizado é irrisório, posto ao que chega por contrabando –, creio que seja ideal para demonstrar, internacionalmente, que nossa batalha é por um maior controle daqueles que vendem um produto que não possui qualquer outro fim que não a morte;
Interlocução com os BRICS e para que sejam aplicadas políticas similares em seus países, bem como para que haja troca de tecnologia e patentes, ante a urgente necessidade de, conforme exposto posteriormente, produzir um arsenal nacional para defesa nacional e de segurança pública;
Interlocução com os demais países latino-americanos que, além de aliados históricos e necessários à nossa nação, também sofrem com o financiamento bélico, feito por parte dessa indústria, de suas organizações criminosas, para que, como supramencionado, apliquem políticas similares em seus países e compartilhem tecnologia e patentes militares. Deste modo, o Brasil não só se coloca numa vanguarda histórica de independência armamentista dos EUA na América Latina, como, também, força a mão de que esta não é uma guerra bilateral entre EUA e Brasil; mas, sim, uma ofensiva de um mundo que lucra com a guerra, contra o mundo que sofre – e, como Estados soberanos que o compõem, querem poder ter gerência no próprio território sobre como lidar com a questão – com ela.
Cassação do visto para que os gestores e administradores das empresas que possuem maior arsenal de armas ilegais do nosso país não possam adentrar do nosso território. Afinal, para além da reciprocidade de cassação de vistos de autoridades públicas que os EUA consideram inimigos de seu Estado, não acho justo com o povo brasileiro que quem lucra com nosso sangue, dor e sofrimento possa vir aqui se deleitar de nossa terra, de nossa cultura e de nossa boa-convivência, até que esteja, efetivamente, agindo de modo a cessar o abastecimento de armas às organizações criminosas em nosso território;
Esforço conjunto entre forças armadas e agentes de polícia, federais e estaduais, para a localização, categorização e interceptação do armamento norte-americano que tente adentrar no nosso território; gerando, como vêm tentando o ministro Lewandowski, uma real e efetiva interlocução entre nossas forças de segurança. Bem como gera, no meu entender, uma nova e necessária visão das nossas forças de segurança para o mundo que, infelizmente, aparenta se aproximar cada vez mais ao horizonte. Nossas forças devem, necessariamente, estarem a serviço do povo brasileiro. Para isso, necessitam, não somente de investimento, como de especial atenção e amparo.
Construção de uma política pública de soberania armamentista. Temos já indústrias nacionais, que deveriam ser olhadas mais de perto, numa interlocução, a meu ver, entre governo e empresariado, para que seja feito um esforço conjunto para que, antes tarde que mais tarde ainda, o Brasil consiga ser uma nação soberana em que seus agentes de segurança pública e segurança nacional possam utilizar armamento pátrio com a certeza de estar utilizando material de mais alta tecnologia. Deste modo, não sendo necessário sermos uma nação que se orgulha de comprar armamento estrangeiro para não renunciar à qualidade do instrumento de trabalho utilizado pelo nosso efetivo.
O Brasil faz certo e é aplaudido pelo mundo todo, em todos os fóruns que participa, pela coragem e independência que vem tendo ao lidar com a soberania nacional no que tange os espaços em que o debate público ocorre, mormente as redes sociais. Tal postura é a de um país altivo, que compreende que, na guerra híbrida que o mundo moderno vive, discursos são tão fortes quanto armas. Não por menos, junto ao ataque ao BRICS e à pressão para ter um candidato que se alinhe completamente aos interesses do atual governo estadunidense, está a defesa de suas gigantes de tecnologia, que são as verdadeiras ágoras da atualidade, na justificativa para a guerra tarifária que tenta impor, os EUA, a nós.
Entretanto, apesar de, como dito, saber que, hoje, movimentar a opinião pública de forma enviesada vale tanto quanto um disparo de míssil, um tiro de fuzil ainda é um tiro de fuzil. E o disparo que mata nosso povo, é de um fuzil que não foi produzido no Brasil.
Sintetizando o debate, as armas americanas são responsáveis direta e indiretamente pela mazela social que vive o Brasil, no que diz respeito à segurança pública. Tal mazela, além de objetivamente interromper a vida compatriotas, vide as mais de trinta e sete mil e oitocentas pessoas que morreram no período de somente um ano (2022, de acordo com o Atlas da violência) por culpa do crime organizado, gera inegável impacto econômico-social. Há diversas empresas que se negam a entrar no Brasil por medo de terem suas cargas roubadas, em roubos feitos com armas americanas; turistas que não frequentam áreas do nosso território por medo do estado paralelo que as controla, que somente o faz por ter poderio bélico americano; a imagem internacional de um país, embora bem-humorado, extremamente perigoso e violento, somente ocorre por culpa do poderio bélico americano nas mãos das orcrim. Se há um mês, tomar medidas mais drásticas para agir contra isso seria visto como uma gigantesca afronta ao Império das armas americanas, hoje, há a abertura para o debate – real – sobre o tema. Não podemos perder essa oportunidade.
Com muitos anos nas costas, não sou ingênuo de acreditar que tais movimentações seriam fáceis, ou sequer que seriam tomadas com tabuleiro parado. Mas, como carioca e, principalmente, como brasileiro, vejo que é um momento propício para uma efetiva contraofensiva que trará não só amparo à nossa soberania, que deve ser cuidada com especial atenção ante aos tempos que estão vindo; mas, também, maior segurança para as populações que sofrem tanto, há tanto, com a violência urbana, subsidiada por armas do estrangeiro.
Um Brasil dos brasileiros precisa ser, antes de tudo, um Brasil com s, de um Brasil fúsil, capaz de compreender nossas diferenças e nos unir. Não um Brazil com z, de fuzil, que, com a máxima vênia, é coisa de estrangeiro que não respeita nossa nação.
Honestamente, não nutro muitos sentimentos sobre os agentes que se movimentariam e se beneficiariam política e economicamente com as ações tomadas – desde o governo federal, que entraria numa histórica política pública no tocante a segurança que definitivamente renderia votos e prestígio histórico, quanto ao empresariado industrial bélico nacional, que, embora, via-de-regra, seja ligado à oposição, lucraria com a política.
*Jaime Fusco, advogado criminalista e ativista da segurança pública.
Angelo Fusco, ativista da segurança pública.
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